Sobre o Logicismo (parte II)

 

3.    Sobre a inconsistência do sistema original Fregeano consulte o seguinte link:

A inconsistência dos Grundgesetze

    A Lei Básica V é geralmente aceita como a fonte da inconsistência do sistema dos Grundgesetze, entretanto, a questão da inconsistência é mais complexa tendo em vista que Terence Parsons demonstrou, no final da década de 80, que o fragmento de I ordem dos Grundgesetze é consistente. Isto significa que, a prova de inconsistência apresentada por Russell [veja a demonstração no link acima], somente se aplica ao sistema de II ordem dos Grundgesetze.

    No início da década de 80, Crispin Wright propôs um enfoque logicista neo-Fregeano no qual o princípio de Hume [veja a postagem anterior (parte I)] é admitido como analítico e, consequentemente, seria uma condição suficiente para estabelecer uma justificação epistêmica de caráter (neo-)logicista para a aritmética elementar. No final da década de 80, George Boolos demonstrou a consistência de um fragmento da lógica de II ordem no qual o princípio de Hume foi introduzido. Contudo, este princípio só é satisfeito em modelos cujos domínios são infinitos. Isto significa que, sob uma perspectiva modelo-teorética, o princípio de Hume não poderia ser considerado como uma lei lógica, pois não é válido, i.e., não é verdadeiro sob qualquer interpretação (podemos construir um domínio finito de objetos para o qual o princípio é, de fato, falso).

    Dessa forma, a proposta de Wright --que pressupõe um compromisso ontológico realista-platônico-- estaria 'enfraquecida' em uma acepção estritamente logicista.

    Uma possível alternativa, ad hoc, seria adotar uma perspectiva filosófica de caráter nominalista e elaborar uma outra concepção semântica para a verdade lógica. 

    No paper intitulado "The analytic conception of truth and the foundations of arithmetic", de 2000, Peter Apostoli propôs um tratamento (neo-)logicista, no qual a noção de verdade lógica é independente da teoria de modelos e da teoria axiomática de conjuntos. Mais precisamente, essa abordagem logicista  se apoia na concepção original de verdade lógica em Carnap  (relativizada a uma dada linguagem de I ordem), mostrando como reconstruir a aritmética de Peano (em I ordem) no sistema axiomático proposto. 

    Não obstante, devemos considerar a crítica de Benacerraf (1981) [veja referência na postagem anterior (parte I)] com respeito ao conjunto de todas as sentenças aritméticas verdadeiras (denominado, simplesmente, de Aritmética) que não corresponde aos teoremas de AP¹ (i.e., da Aritmética de Peano em I ordem). Em outros termos, se todas as verdades aritméticas são analíticas, então existe um conjunto de verdades lógicas com base no qual todas as verdades aritméticas são efetivamente deriváveis. Isto implica que, se a lógica (de I ordem) é recursivamente axiomatizável, por conseguinte a Aritmética também seria recursivamente axiomatizável. Mas, pelo metateorema de incompletude de Gödel, segue-se que a Aritmética não é recursivamente axiomatizável.

    Em uma próxima postagem discutiremos novas abordagens de caráter logicista para a fundamentação da aritmética.

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Apostoli, P. (2000)    "The analytic conception of truth and the foundations of arithmetic". The Journal of Symbolic Logic, 65, 1; pp. 33-102.

Boolos, G. (1987)    "The consistency of Frege's Foundations of Arithmetic". In; Thomson Ed., pp. 3-20.

Parsons, T. (1987)    "On the consistency of the first-order portion of Frege's logical system". In: Notre Dame Journal of Formal Logic, 28, 1; pp. 161-8.

Wright, C. (1983)    Frege's Conception of Numbers as Objects. Scots Philosophical Monographs, number 2, Aberdeen Univ. Press.




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