quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Sobre o Intuicionismo (parte IV)

 Há uma certa simetria, de um ponto de vista epistêmico, entre a posição filosófica de Hilbert e os formalistas sobre o logicismo e a posição de Brouwer e os intuicionistas. Haja vista que, Hilbert admite a importância fundamental da lógica (clássica) e da construção de um sistema formal axiomático, cuja consistência seja provada (por métodos finitários/construtivos), contudo não reconhece a relevância do conceito de verdade. Brouwer, por outro lado, admite o conceito de verdade, mas rejeita a necessidade e o status epistêmico da lógica e, inclusive, a possibilidade de formalização das diversas áreas da matemática. 

    Não obstante, temos os trabalhos posteriores elaborados por Heyting com o objetivo de apresentar um sistema formal axiomático para a fundamentação da aritmética intuicionista, bem como de uma lógica intuicionista (não clássica) que representasse as ideias do projeto intuicionista Brouweriano. 

    Cabe observar que, a princípio, o (primeiro) metateorema de incompletude de Gödel não compromete o projeto intuicionista visto que, o intuicionismo admite a existência de sentenças aritméticas indecidíveis em uma dada formalização da aritmética elementar. No entanto, um resultado de Gödel --acerca da aritmética intuicionista-- estabelece uma tradução recursiva (denominada tradução de Gödel-Gentzen) do cálculo proposicional clássico e da aritmética clássica no cálculo proposicional de Heyting e na aritmética de Herbrand respectivamente. Mostrando, por conseguinte, que qualquer contradição que exista na aritmética clássica estaria, também, presente na aritmética intuicionista.

    Decorre desta tradução metamatemática que, de acordo com Gödel, o intuicionismo apenas apresentaria restrições, de fato, para a análise real e para a teoria de conjuntos e, tais restrições conceituais resultam da proibição estrita de conceitos impredicativos. Consequentemente, as restrições conceituais prescritas pelo enfoque intuicionista no âmbito da aritmética não decorrem da negação do 'terceiro-excluído'. Este resultado de Gödel pode ser interpretado como uma espécie de prova intuicionista de consistência da aritmética clássica; por outro lado, uma prova estritamente finitária estaria em contradição com o segundo metateorema de incompletude de Gödel. Por conseguinte, de um perspectiva finitista, existe um aspecto não-construtivo na aritmética intuicionista; todavia, não sabemos exatamente onde entra tal componente.

    De um modo esquemático, podemos resumir as principais restrições da abordagem intuicionista de Brouwer:

  1. a matemática é uma atividade cognitiva da mente humana;
  2. a matemática é independente da linguagem, i.e., a construção intuicionista não tem necessidade de ser delimitada por meio de qualquer expressão linguística;
  3. uma demonstração matemática é válida quando constitui-se de uma construção de etapas individuais independentes das regras de inferência empregadas;
  4. o enfoque intuicionista embora rejeite a objetividade da verdade matemática (no sentido de ser válida atemporalmente), reconhece a objetividade da fundamentação da prova (na acepção construtiva) de acordo com métodos de demonstração finitistas;
  5. a matemática tem um caráter a priori, i.e., sua justificação é independente da experiência.
    Na próxima postagem será apresentada alguns pontos relevantes da abordagem formalista de Hilbert.

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