sexta-feira, 16 de setembro de 2022

Sobre o Intuicionismo (parte II)

 O professor Amadeo Peter Hiller, em um artigo escrito para o Suplemento Cultural do jornal "O Estado de São Paulo", datado de 04/12/1977 [nº. 60/ano II], pp. 10-11, observa que:

    "Querendo, ..., restabelecer o status da Matemática como ciência perfeita e livre de erros, o matemático holandês L. E. J. Brouwer (1881-1966), no início da década de 1900, colocou a posição intuicionista. Trata-se de uma espécie de volta às origens da Matemática, rejeitando uma série de construções e raciocínios generalizantes obtidos durante os séculos, para assim evitar problemas com entes infinitários e com os paradoxos. Brouwer reputava estas dificuldades como sendo pseudoproblemas surgidos do abuso de certos raciocínios, válidos para entidades finitárias mas não para outras, e pela introdução na Matemática de objetos que, para ele, não devem ser tratados por esta ciência. ... 

Pretendo agora dar um exemplo bem simples de um problema, aparentemente inócuo, onde é necessário tratar com o Infinito: ...

Suponhamos que E(x) seja uma equação algébrica envolvendo somente números naturais, e que nosso problema seja a existência de solução para E(x) nos naturais entre 1 e 1000. Pode-se resolver o problema de três modos:

  1. Resposta positiva, exibindo-se um número p tal que E(p), computada, dá o valor 0.
  2. Resposta positiva, por absurdo, mostrando que a não existência de um p nas condições acima leva a uma contradição.
  3. Resposta negativa.
Dessas respostas, vale a pena analisar (2), cuja validade pode ser aceita através do seguinte raciocínio: é perfeitamente possível construir todos os números entre 1 e 1000 e computar todos os valores de E(1) a E(1000) feito isso, poderemos encontrar um número p nas condições (1), escolhendo-o dentre os números que construímos.
O que acontecerá se mudarmos o problema para a existência de solução para E(x) nos números naturais?"

    O problema proposto a cima, e.g., "existência de solução para E(xnos números naturais?", pressupõe, a princípio, a possibilidade de 'percorrer' (de modo independente da dimensão física de tempo) a sucessão infinita contável dos números naturais. De acordo com Hiller [no artigo mencionado acima] temos, por conseguinte, que --para o matemático intuicionista-- não seria possível "concretizar" ou ter acesso cognitivo à 'totalidade dos números naturais' a partir de uma 'apreensão atemporal'. 

    Como observa Hiller duas questões de caráter filosófico se apresentam:
  • Qual a maneira correta de tratar entidades de natureza infinitária e suas propriedades?
  • Qual é o significado de uma sentença matemática?
     Com respeito às duas questões enumeradas acima, Hiller acrescenta que, "em linhas gerais:
    As entidades matemáticas não possuem existência independente da mente humana ...
O significado de uma sentença é dado pelas condições nas quais se pode dizer que uma construção verifica a sentença: o significado é dado pelas Condições de Prova da sentença. Os casos mais interessantes são as sentenças existências --da forma Existe 'x' tal que 'A'-- e as disjuntivas --da forma 'A' ou 'B'--; uma prova de Existe 'x' tal que 'A' consistindo em uma construção que, em tempo finito previamente fixável, obtém um objeto que verifique 'A'; uma disjunção 'Aou 'B' devendo ser provada através de construção que, em tempo finito previamente determinável, verifica uma das duas opções."

    Como está assinalado no extrato acima, os objetos matemáticos são 'constructos', i.e., de acordo com a doutrina metafísico-ontológica denominada de conceptualismo, entidades matemáticas são construções da mente humana e, estariam condicionadas a uma dimensão temporal (finita). Outro aspecto, refere-se ao fato de que as 'condições de prova' desempenham um papel essencial no processo de justificação do conhecimento matemático em conformidade com essa doutrina.
    Na próxima postagem, discutiremos sobre alguns pontos da aritmética intuicionista, bem como da lógica intuicionista de acordo com a teoria de Brouwer-Heyting. 

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