quarta-feira, 16 de março de 2022

Sobre a linguagem como meio universal ou como cálculo.

 O professor Nelson Gomes no capítulo sobre "Neopositivismo e linguagem" - da coletânea Filosofia da Linguagem organizada por Peruzzo Jr., L. & Valle, B. (2016) da PUC PRESS - observa que: "Seguindo certas ideias formuladas pelo historiador da lógica Jean van Heijenoort (1912-86), o lógico finlandês Jaakko Hintikka formulou uma distinção entre duas concepções de linguagem que, segundo ele, seria uma pressuposição última na filosofia do século XX. Trata-se da distinção entre a linguagem como meio universal, de um lado, e da linguagem como calculus ratiocinator (cálculo de raciocínio), de outro (Hintikka, 1997)."[veja referência abaixo].

Na referência acima, Gomes (2016) acrescenta que na concepção acerca da qual a linguagem constitui um 'meio universal' exclui-se, necessariamente, a possibilidade de uma metalinguagem e, por conseguinte, impede-se a construção de qualquer espécie de teoria semântica. Gomes cita como advogados dessa tese: Frege, Russell, Wittgenstein e Quine.

Com respeito à concepção da linguagem como 'calculo de raciocínio', Gomes acrescenta que, de acordo com essa perspectiva, as linguagens são, de fato, reduzidas a "sistemas simbólicos governados por regras, de modo que, interpretá-los com o auxílio de metalinguagens é natural e legítimo. Tarski, Gödel e Carnap pertencem a esta segunda linha."

Como assinala Gomes, se tal diferenciação conceitual for considerada como pressuposto filosófico último, a questão sobre qual abordagem deveria ser característica da filosofia analítica da linguagem permanece indecidível.

De uma perspectiva histórico-conceitual, Leibniz é o precursor da proposta de uma lógica simbólica, de inspiração cartesiana, da mathesis universalis, ou seja, de um cálculo (conceitual) universal a priori, que permitiria estudar todas as combinações possíveis entre conceitos de quaisquer áreas da matemática (sendo extensível a qualquer área do conhecimento humano) a partir da ideia de aritmetização dos conceitos. 

Em 1847, com a publicação de Mathematical Analysis of Logic, de Boole, inicia-se uma nova época na história da lógica, retomando-se a proposta de Leibniz - de um calculus ratiocinator - mediante uma síntese entre a lógica formal aristotélica e o simbolismo leibniziano. Em Laws of Thought, publicado em 1854, Boole tomou como postulado que as leis fundamentais da lógica são de natureza algébrica relativamente à forma (ou estrutura sintática) justificando-se, assim, a apresentação da lógica sob a forma de um cálculo simbólico.

Frege, com o seu Begriffsschrift, publicado em 1879, desenvolvendo uma concepção de lógica oposta à de Boole, considera a ideia leibniziana de uma lingua characteristica (uma linguagem universal). Frege, nesta obra, tencionava, por um lado, a representação simbólica e o desenvolvimento da lógica de relações, que constituiu  a distinção básica entre a lógica escolástico-aristotélicae e a lógica moderna; por outro lado, estabeleceu o arcabouço linguístico para o conceito de sistema formal axiomático..

A oposição entre as abordagens de Frege e de Boole reside no fato de que a abordagem Fregeana, ao contrário da abordagem Booleana, não tencionava representar simplesmente uma lógica abstrata por meio de fórmulas, mas expressar um conteúdo por intermédio de uma linguagem simbólica. De acordo com Frege, o cálculo simbólico de Boole consiste apenas no aspecto formal da linguagem.

Observação: na próxima postagem, discutiremos a questão da não-decidibilidade da diferenciação conceitual 'lingua universalis vs. calculus ratiocinator' na condição de pressuposto último da filosofia do século XX.

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HINTIKKA, J. Lingua Universalis vs. Calculus Ratiocinator: An Ultimate Presupposition of Twentieth-Century Philosophy. Dordrecht/Boston/London: Kluwer Academic Publishers, 1997.




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